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SÃO FRANCISCO E AS ESTRUTURAS*
Tempos de transição são sempre também tempos em que se questionam as estruturas recebidas do passado. Elas entram em crise, são contestadas na medida em que parecem opor-se ao dinamismo da nova vida, ou são defendidas em nome de valores tidos por inalienáveis. Desde que se entenda a realidade social, política e eclesial por algo de orgânico, não se podem dispensar estruturas. Elas são algo mais do que cintos de segurança para a vida como o possa entender certa forma de liberalismo individualista. Elas estão a serviço do bem comum, não apenas abrem a estrada da vida que impulsiona para frente, não apenas defendem a estrada contra os assaltantes, mas cabe-lhes coordenar as forças vivas, criar condições para o desabrocha-mento da vida, estimular e fomentar esta vida nos diversos planos até a fraternidade universal dos homens e povos. Para a Igreja, seu fundador Jesus Cristo criou estruturas essenciais, muniu-a de órgãos de evangelização, de santificação, de direção e integração no corpo místico que, atuantes, são em si mesmos portadores de espírito e vida. Pertencem como carismas permanentes da Igreja ao gênero de carismas em geral, entre os quais São Paulo também as enumera. São Paulo insiste igualmente na necessidade de examinar e integrar os verdadeiros carismas que o Espírito derrama sobre a sua Igreja. Pela assistência peculiar do Espírito de Deus estes órgãos essenciais levam vantagem enorme sobre as estruturas da sociedade civil que tira seus princípios do mar grande e tumultuoso do direito natural. Nos nossos dias constata-se uma séria desilusão e descrença diante das estruturas. O nosso século viu desaparecer as muito seculares estruturas monárquico-feudais. Tendeu-se a eliminar as privilegiadas estruturas capitalistas surgidas nessa era industrial. No campo político implantou-se largamente a democracia pluralista concebida pelo iluminismo e proclamada pela Revolução Francesa. Hoje assiste-se melancolicamente a um declínio da democracia. O Racionalismo e Naturalismo sofrem de grave enfermidade porque se constata que o homem não é por natureza tão bom como se sustentara. No âmbito da Igreja, sustentam-se como é natural, os elementos de origem divina da sua estrutura. Criam-se novas formas de coparticipação e de corresponsabilidade. Há o empenho de não extinguir ou paralisar nenhuma força viva. Mas, também aqui, a maturidade do homem moderno é problemática e muitos dos que reclamam por mudanças de estruturas deixam inaproveitadas as reais e magníficas possibilidades que têm. Tudo visto, chega-se à conclusão que as estruturas não são o problema de primeira ordem e sim os homens, as qualidades intelectuais e morais dos que as manejam, se é com responsabilidade profunda e consideração justa do homem a que se quer servir. Quanto mais uma sociedade tolerante e permissiva negligencia a formação da consciência, quanto mais libera o desregramento e voluntarismo * Texto extraído de: VVAA. Nosso irmão Francisco de Assis. Petrópolis: Vozes, 1975. p. 48-63. arbitrário individual, tanto mais mina a estrutura de qualquer sociedade e conduz à anarquia. Em última análise, o problema se apresenta como religioso. Onde o fundamento religioso falta, desaparece o chão firme debaixo dos pés e caímos no abismo. São Francisco é um homem eminentemente religioso. Não descobre seu carisma através dos órgãos de direção, mas sim de evangelização da Igreja. Evangelização e direção são funções intimamente unidas, sendo uma a complementação da outra. No entanto, a história mostra que são possíveis tensões; pode uma função hipertrofiar-se em detrimento da outra, pode-se dis-tanciar, pode obscurecer a outra, pode suplantá-la em parte e, então, o organismo da Igreja adoece. Se os valdenses no tempo de São Francisco chegaram a recusar a direção da Igreja em favor da sua evangelização, certos setores da Igreja confiavam excessivamente no poder da direção, das leis, dos decretos e das medidas disciplinares. São Francisco quer viver pura e simplesmente o Evangelho e quer levá-lo aos homens. Com gratidão e respeito profundo não apenas abraça os dons que os órgãos de santificação e direção lhe proporcionam, mas serão parte integrante e profunda de sua vida católica. Francisco não separa, mas une harmonicamente e enriquece a Igreja até o dia de hoje. Seu tempo e o nosso muito lhe devem. Seu caminho merece ser estudado, pois contém lições que ainda hoje valem. As estruturas na ordem de São Francisco
O sair do mundo para viver o Evangelho de Nosso Senhor não se dá na vida de São Francisco como um acontecimento fulminante. Com seus vinte anos de idade ele é um jovem animado, jovial, bom companheiro, empolgado pelo ideal cavalheiresco, de alma nobre e generosa. Participa garboso da guerra de Assis contra Perusa, cai no cativeiro e volta enfermo depois de um ano. O mundo lhe parece mudado, ele começa a pensar em algo de menos traiçoeiro. Era o ano de 1203. Três anos mais tarde sonha de novo com as glórias cavalheirescas. No exército do general pontifício Gualter de Briene participa da expedição para a Apúlia. Volta depois de dias disposto a não já servir aos servos, mas ao Supremo Senhor. Por muito tempo fica indeciso quanto à forma desse serviço. Nem a peregrinação a Roma, em 1206, nem a restauração de pobres igrejas, nem a vida de austeridade nas grutas e nos montes, nem a ruptura com o pai, que o leva a amparar-se junto do Pai que está nos céus, nem a vida junto aos leprosos, a quem procura servir, trazem clareza definitiva. Mas o que no seu coração se preparou, Deus lho revelou quando, em 24 de fevereiro de 1209, ao participar da missa na igreja da Porciúncula, ouviu o Evangelho de São Mateus 10,7-20, sobre o envio dos apóstolos. Francisco pôde exclamar: «Isto é o que eu quero, é isto que eu procuro. De todo o coração desejo pô-lo em prática». No seu testamento, o Santo pôde escrever: «Ninguém me mostrou o que eu devia fazer; porém o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo o modelo do Santo Evangelho». Fato notável que o bispo de Assis lhe permite pregar ao ar livre e mesmo dentro da Igreja. Dentro de um ano se lhe associam doze companheiros; os dois primeiros: Bernardo de Quintavale, conceituado comerciante, e o jurista de Bolonha Pedro de Catânia. A adesão de primeira hora destes homens não fez São Francisco enveredar pelo caminho das leis e constituições. Eles têm o Evangelho e isto lhes basta. Querem observá-lo, sem cortes, nem acréscimos. Era necessário vivê-lo numa sociedade em que já não vingava. Com esse propósito a pequena fraternidade se dirige a Roma. Foi-lhes pedida uma Regra, e o Santo apresenta alguns textos evangélicos, vence hesitações e dúvidas e obtém do Papa Inocêncio III a aprovação oral da vida dos Frades Menores. Era o que bastava. O conselho de seguir uma regra já aprovada e experimentada não pode ser seguido. Ele quer viver o Evangelho, pura e simplesmente. E isto lhe será facultado. Ele recebe com seus companheiros a tonsura e, sendo agora clérigo, é-lhe outorgada a faculdade de pregar a penitência. Era de se ver em toda parte quão pouco o Evangelho era regra de vida. Sê-lo-á para São Francisco e seus companheiros. Havia a digna experiência e sabedoria das regras monásticas a que o cardeal Colona e o próprio Inocêncio III tinham remetido. Era bem fixada a finalidade da Ordem pela Regra de São Bento, pelos costumes de Cluny, pela Charta Charitatis dos monges de Cister. Como eram bem fixadas as atribuições dos abades, priores, ecônomos e demais oficiais! Como estavam bem delineados os programas de culto, de práticas diárias, dos atos penitenciais, pecados reservados, os castigos e correções. E choviam as leis e decretos em toda parte. O próprio Papa Inocêncio III era talvez o maior jurista de seu tempo. Mas em que daria tudo isto sem o espírito do Evangelho e suas exigências de renúncia a si mesmo, de dar aos pobres o que se tem, restituindo assim a Deus o que lhe pertence, de carregar a cruz e seguir o Senhor? Sobretudo, o que seria sem o amor até a assimilação daquele que por amor foi crucificado? No tempo de São Francisco a reforma de Cluny já caíra da sua altura e na Ordem de Cister começou a descida pouco depois da morte de São Bernardo, apesar de continuar a Ordem a crescer por dois séculos. Riqueza e cobiça, privilégios e poder, a advocacia pelos leigos protetores e a preferência na escolha de abades poderosos e influentes levaram as mais belas iniciativas à languidez. Processos intermináveis e ações militares, inveja e impugnação dos grandes do mundo, querelas com bispos e prelados ofuscaram o sinal que estas Ordens deviam ser na Igreja de Deus. Francisco nada quer por isso, nem para si, nem para as comunidades, proíbe o uso do dinheiro, quer que os irmãos se guardem de aceitar privilégios, por mais nobre que possa ser a causa e, por sua parte, dispensaria regras e constituições. «Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos» (jo 8,31). «Nisto todos conhecerão que sois os meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (jo 13,25). «Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, para que deis muito fruto e vos torneis os meus discípulos» (jo 15,7-8). Os discípulos de Jesus, pelo amor, vivem nele, assumem e se colocam na Palavra de Deus, vivem o Evangelho, manifestar-se-ão verdadeiros discípulos pela mútua caridade, glorificarão assim o Pai, darão muito fruto para a sua glória entre os homens e obterão em tudo a proteção e o auxílio necessários das mãos de Deus. Francisco crê no Evangelho. Nos primeiros anos, o grupo sempre crescente em torno de São Francisco chamou-se «homens de penitência da cidade de Assis». São Francisco soube comunicar-lhes o espírito que lhe era próprio. A maneira de entender e viver o Evangelho do Patriarca, o seu exemplo e suas admoestações e conselhos os formam. Mais doze anos e o número dos frades menores se conta pelos milhares. A Ordem se espalhara por toda a cristandade ocidental. Francisco curva-se diante da necessidade. A Ordem precisa de certa estrutura. Ela se distribui por províncias a cuja frente estarão os ministros provinciais e custódios. Os termos ministros e custódios, guardiães, para as comunidades locais excluem toda conotação de superioridade e dominação, mas se entendem como serviços aos irmãos que devem visitar, confortar, admoestar e eventualmente corrigir. A Regra do ano de 1221 reflete bem a vida dos frades do primeiro decênio. De outro lado, nos últimos três ou quatro anos, os ministros, jurisconsultos e doutos na Ordem insistiam na necessidade de assegurar, por determinações mais precisas e indicação mais clara das diversas incumbências dos diversos cargos, a consistência e firmeza da Ordem. Só assim a espiritualidade do Santo poderia ser norma de vida para uma Ordem de dimensões universais. A Regra do ano de 1221 não é uma soma de estatutos e parágrafos logicamente ordenados, mas uma descrição do ideal evangélico franciscano. Um terço do texto consta de palavras do Evangelho, que Francisco com o auxílio do irmão Cesário de Espira apresenta. A preocupação do Santo era introduzir o Evangelho na vida prática. Os textos evangélicos são o núcleo da Regra. Reparamos que o resto contém um mínimo espantoso de determinações e o máximo de lições de espiritualidade evangélica. O Evangelho tomado segundo o espírito e a letra é norma da vida minorítica. É vida. Francisco assim o entende. Conclui a Regra dizendo que da parte de Deus e do Papa firmemente prescreve e ordena que ninguém diminua ou aumente o que nesta vida está escrito. As estruturas: ouvimos falar de que ministros e custódios, que são servos dos irmãos, visitem-nos, animem-nos e os confortem; que os distribuam entre as províncias e lugares onde estiverem; que se lhes deve obediência no que concerne à salvação da alma e não for contrário à vida que professam; que só eles recebam os candidatos à Ordem; que os ministros corrijam, como melhor lhes parecer perante Deus, os irmãos que deram escândalo. Que os irmãos possam recorrer a eles onde não puderem observar esta vida e que sejam bem recebidos; que os ministros não se chamem de priores; que os que moram em províncias distantes só precisam assistir ao Capítulo Geral Anual de três em três anos; que não recusem aos irmãos idôneos a permissão, quando estes, por inspiração de Deus, quiserem ir entre os sarracenos e outros infiéis. Cabe aos ministros examinarem e autorizarem os pregadores da Ordem. Sobre o estilo do relacionamento de ministros com os irmãos, esclarece-o a preciosa carta a um ministro. Escreve: Eis o sinal que me fará conhecer se amas ao Senhor e a mim seu servo e teu: é que nenhum irmão do mundo, que houver pecado, e por culpado que seja, saia da tua presença sem haver obtido a misericórdia se tal implorar. E se ele não implorar misericórdia, vai tu perguntar-lhe se não quer aceitar. E se depois ele se apresentar mil outras vezes diante de ti (para o mesmo fim) ama-o mais que a mim, a fim de o conquistares para o Senhor. E de tais tem sempre piedade. E anuncia aos guardiães, quando puderes, que decidiste firmemente agir sempre deste modo. Quanto a todos os irmãos: que recitem o ofício divino como está prescrito, observem o jejum e trabalhem humilde e honestamente. Quanto ao Geral da Ordem, ele promete obediência e respeito ao Papa, e os demais irmãos prometam obediência ao Geral. Como o Papa Honório III em 1220 pela Bulla Cum secundum consilium tivesse prescrito o noviciado de um ano e proibido sair da Ordem depois da Profissão dos Votos, também estas ordens estão presentes na Regra. Tudo mais virá inculcar a vida evangélica de pobreza, de trabalho (em ofícios humildes), de humildade e das demais virtudes do Frade Menor, informadas pelo amor de Deus e do próximo. O estilo do texto é mais de pregação, em que se remete com ardor às normas do Evangelho, do que de cânones e parágrafos de legislação. Leis e estruturas são úteis e válidas; São Francisco não se fecha à sua necessidade; devem ser observadas, mas não é delas que vem a salvação e sim do espírito que as deve animar. São Francisco e as estruturas da cristandade
A íntima penetração e a afinidade externa do poder civil e eclesiástico da Alta Idade Média justificam uma visão global do tema. É fora de dúvida que São Francisco jamais tenha, naquele seu mundo em que não faltavam tensões, polemizado contra as estruturas, na cristandade de então. Nem sequer entrou em cogitação. Era-lhe possível fazer penitência e viver o Evangelho em qualquer estrutura que se apresentava. Quanto ao mais <julgue e despreze cada irmão a si mesmo!> Quanto à Igreja, não lhe ministrava as palavras do Evangelho? Não recebia de seus sacerdotes o Corpo e o Sangue do Filho do Altíssimo? Não era ele, pela Igreja e seu Evangelho, remetido ao Romano Pontífice? Mal tinha o seu pequeno grupo de irmãos penitentes, uma dúzia de pessoas, dirige-se a Roma, pede e obtém do Papa Inocêncio III o consentimento oral para viverem a vida evangélica que procuravam abraçar. Mais, tinham recebido a tonsura em Roma, para agora, incorporados ao clero, poderem pregar a penitência. Quando de volta do Oriente, vê-se no meio de discussões na Ordem sobre questões referentes à disciplina, como seja o jejum obrigatório. São Francisco pede a Honório III que indique um cardeal, que em nome do Papa o ouça e resolva os problemas da Ordem. Recebe o cardeal de Óstia, Hugolino, mais tarde Papa Gregório IX. No último capítulo da Regra Definitiva impõe aos ministros a severa obrigação de pedir ao Papa um cardeal da Santa Igreja Romana, que seja governador, protetor e corretor desta Fraternidade, para que, sempre súditos e sujeitos aos pés da mesma Santa Igreja, firmes na fé católica, guardemos a pobreza e a humildade e o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, como firmemente prometemos. No primeiro capítulo da Regra promete obediência ao Papa Inocêncio III e seus sucessores e impõe aos ministros que o seguem igual obrigação. O mesmo espírito de fé condiciona a sua reverência e humildade, ao expressar sujeição aos bispos. Os documentos revelam um bispo de Assis ávido de bens terrenos para a sua igreja, amante do poder, irascível e em freqüente e violenta briga com o prefeito da cidade. No entanto, Francisco lhe conquistou o coração, procurou-o freqüentemente e este, sem lhe ditar o caminho, ajudou-o, preservou-o de perigos, deu-lhe amparo e o animou. Não o impedia de encontrar ele mesmo a forma de vida que Deus queria dele. É também o bispo de Assis que põe São Francisco em contato com o cardeal beneditino João de Colona, o qual, examinado o espírito dos irmãos, fez-se o seu advogado junto a Inocêncio III, quebrou a resistência dos cardeais no Consistório e obteve a solução favorável a São Francisco. Resumindo, podemos dizer que São Francisco e a sua obra nova gozaram dos favores e da proteção dos Papas Inocêncio III, Honório III e Gregório IX, seus contemporâneos. Semelhante foi, de um modo geral, a atitude dos bispos, inclusive no exterior; basta ler a história da implantação da Ordem na França, na Alemanha e na Inglaterra. Aqui e acolá, surgiram dificuldades, no-minalmente quanto à licença de pregar. Quando irmãos insistiram para que São Francisco pedisse da Cúria Romana um privilégio, pelo qual pudessem desimpedidamente pregar em toda parte, ele se indignou: Vós não conheceis a vontade de Deus e não me deixais converter o mundo inteiro como Deus quer. Porque primeiro desejo eu pela santa humildade e pela reverência conquistar os prelados; eles mesmos nos chamarão e para pregar ao povo, muito mais que os vossos privilégios que levam ao orgulho. Quanto ao clero em geral e aos simples sacerdotes em particular, estes freqüentemente pobres, despreparados, ignorantes e pecadores, Francisco não é tão cego que não veja a situação calamitosa. Muitas vezes fala desses pobres sacerdotes, mal alguma vez, sem contudo mencionar a realidade do pecado, mas sem querer vê-los. Não lhe cabe julgar, mas ele mesmo quer começar por um sinal: A Vida segundo o Evangelho! Leis não faltavam, mas não tiveram a força da Reforma. Só a vida convence. No Testamento São Francisco fala sobre o seu relacionamento com os sacerdotes, revelando um espírito de fé e sabedoria profunda: E o Senhor me deu tanta fé nos sacerdotes que vivem segundo a forma da santa Igreja Romana, por causa da sua ordenação, que, mesmo se me perseguirem, quero recorrer a eles. E se tivesse tanta sabedoria quanta teve Salomão, e encontrasse os mais pobres sacerdotes deste mundo, não pregaria nas suas paróquias contra a vontade deles. E a estes e a todos os outros hei de respeitar, amar e honrar como a meus senhores. E neles não quero considerar pecado algum, porque neles reconheço o Filho de Deus e são meus senhores. E isto faço porque do mesmo Altíssimo Filho de Deus nada vejo corporalmente neste mundo se não o seu Santíssimo Corpo e Sangue, que eles consagram e administram aos outros. Belamente resume o companheiro e biógrafo Tomás de Celano o relacionamento de São Francisco com os homens, clérigos e leigos: Por ser muito humilde, era para com todos cheio e mansidão e sabia acomodar-se ao gênio de cada um, embora mais santo que qualquer um, aparecia entre os pecadores como se fosse um deles. Venerava os prelados e sacerdotes da Santa Igreja, cercava de respeito os velhos, os nobres e ricos; quanto aos pobres, reservava para eles a sua ternura, compartilhando, do fundo do coração, das suas misérias e fazia-se servo de todos. É interessante constatar que ele, recebendo na Ordem ricos e pobres, nobres e plebeus, sábios e doutos, não fazendo diferença alguma, promovendo inclusive leigos a guardiães e ministros, sabia respeitá-los pelo que deixaram, saindo do mundo. Não sem humor chamava os que foram sábios e nobres de senhores (Senhor Pedro de Catânia, Senhor Rogério), como apelidava ao protetor da Ordem, o Cardeal Hugolino, “o meu Papa” e a Santo Antônio «o meu Bispo». Dificilmente algum historiador ou sociólogo encontrará na vida de São Francisco a intenção de empreender a mudança de estruturas sócio-religiosas. O que ele queria era viver a validez das normas do Evangelho, tornando com isso os homens mais cristãos, o que terá evidentemente a maior repercussão sobre as estruturas. O que importa é o homem que usa ou manipula as estruturas. Este é que deve ser cristianizado, e com isso tornar-se-ão mais e mais conformes ao Evangelho as próprias estruturas. São Francisco não acreditava nas leis, decretos e estatutos? Ora, “lex propter paccatum”, a lei existe por causa do pecado. Nunca ele cairia na tentação utópica, moderna e antiga, de resolver o problema humano simplesmente pela lei. Seu tempo e muitos séculos ainda, o tempo dos decretais e os nossos dias lhe dão razão. Não adiantam as melhores leis sem o espírito. Onde o espírito estiver, lá encontrará sua forma conveniente. Francisco quis correção, não de cima para baixo, através da lei, mas introduzida de dentro para fora é que a lei se torna forma da justiça, verdade, caridade e liberdade. Que lei? A lei do Evangelho. «Minhas palavras são espírito e vida» (Jo 6,63). A partir desta vida, São Francisco não recusa a lei. As necessidades da Ordem crescente fazem com que ele se curve às exigências dos irmãos ministros. Não se opõe à introdução de casas de estudos na Ordem como documenta sua carta a Santo Antônio; põe, no entanto, a cláusula que o estudo não deve extinguir o espírito de oração, a que devem servir todas as coisas. E no mundo a fora? Ninguém contesta que com São Francisco, «iam senescente mundo», quando a sociedade se sentiu envelhecida, uma nova força, uma nova corrente de vida penetrou, rejuvenesceu e fecundou a cristandade. E desde que a paz é a tranqüilidade da ordem, tornaram-se filhos de São Francisco os grandes pacificadores nos conflitos de então e nos séculos que se seguiam. Lobos de Gúbbio em muitas partes se tornaram mansos e pacíficos. Consta que muitas guerras foram evitadas simplesmente porque o movimento dos irmãos da penitência, os terceiros, se viram incapacitados de pegar em armas. Famílias permaneceram em paz, processos foram evitados porque Francisco exigiu de seus seguidores, que ficaram no mundo, que fizessem o testamento em tempo. A pastoral das massas urbanas e dos pobres é assumida pelos Mendicantes que se tornam grandes amigos do povo. Verdade é que a Igreja, nos seus membros mais representativos, por séculos, segue ainda a linha dos decretais; mas, de outro lado, libera, ampara e favorece o carisma de São Francisco e de sua Ordem. O Vaticano II revela, em toda linha, maior aproximação ao espírito do «poverello» de Assis que dos decretais da Idade Média. Como o espírito de São Francisco assume, penetra, purifica e transforma já na sua vida e no seu tempo, mostra, a título de exemplo, o grande negócio do século, que são as Cruzadas. A superação do espírito das cruzadas
A Reforma da Igreja empreendida pelo Papa Gregório VII colocou o Papado à testa da sociedade da Alta Idade Média. Unido à sociedade feudal eqüestre medieval iniciou o período profundamente marcado pelas Cruzadas. Jerusalém caíra em 1071 nas mãos dos islamitas fanáticos seldschucos. A pressão sobre o Império Bizantino era tal que o Imperador Aleixo I, pospondo as divergências, solicitou o auxílio dos cristãos do mundo ocidental. A consciência religiosa e a centralização da autoridade nas mãos dos Papas fazem com que estes sintam a situação como intolerável injúria e a si mesmos obrigados a empreender a libertação da terra de Cristo e dos cristãos das suas condições vexatórias e desprezadas. Isto só seria possível mediante grandiosas operações militares. Ninguém duvidava da justeza de tais empreendimentos. Não foram as províncias da Síria e Palestina outrora florescentes cristandades, arrancadas a ferro e fogo pelos árabes inimigos da cruz de Cristo? Sim, fora o demônio que os empossara aí. Sim, fora o demônio, que se apoderara desta Terra Santa, relíquia de valor incomparável, pois santificada pela presença, suor e sangue de Jesus. A liberdade da Igreja conquistada pela luta da Investidura, a ascendência do poder espiritual sobre o temporal, a santidade da causa, fizeram com que os Papas, para os quais todo o poder devia, direta ou indiretamente, convergir, assumissem, como forças vivas e dominadoras desta cristandade, as responsabilidades pelas Cruzadas. O que Gregório VII intencionara, o Papa Urbano Il o põe em prática. Surge o período das Cruzadas. Pregadores percorrem todo o ocidente. Os nobres e as massas se entusiasmam. A imagem de Cristo, como viveu, morreu e ressurgiu profundamente impregnavam as almas dos fiéis. Acresce que as Cruzadas tinham uma nítida característica de obra de penitência. O apelo de Urbano II em Clermont (1095) dizia: «Os que até agora usaram do direito de se vingar com as próprias mãos e guerrearam os irmãos na fé saiam para uma luta digna deste esforço; os que por longo tempo praticaram a rapina e a violência tornem-se cavaleiros cristãos. Lutem agora contra os bárbaros, os que até agora guerrearam contra irmãos e parentes». As Cruzadas eram encaradas como obras de desagravo e reparação pelas violências, assassinatos e opressões que mancharam a cristandade. Os impulsos naturais dos guerreiros recebiam um objetivo mais digno; a vida era profundamente relacionada com a honra de Cristo. Até a morte e martírio por Cristo tornou-se feliz perspectiva. A «nova criatura» que resultasse de tal conversão receberia perdão de todo pecado e pena. Eis a legitimação da concessão da indulgência plenária aos cruzados de boa vontade, Como expedições militares, as Cruzadas tinham naturalmente os seus pressupostos materiais e políticos. Aí estava a difícil ação pacificadora entre os príncipes cristãos que a Santa Sé teve que empreender. Multiplicam-se as legações e ações diplomáticas da Corte Papal. O financiamento leva a taxas e impostos das Cruzadas. Introduzem-se dízimos especiais. Coletores e elemosineiros apostólicos percorrem os países cristãos. Combinações de penas, excomunhões a cavaleiros, reis e imperadores que não cumprem as promessas etc. Tudo isto representa o reverso da imagem das Cruzadas. E os próprios cruzados eram acaso o que pretendiam ser? Sem querer pôr em dúvida a elevação de espírito de muitos, reparamos também que o velho Adão em muitos não deixou de ser o que era. São contínuos os sinais do orgulho, da dissensão, da crueldade, da ganância, da conivência com o inimigo, da aculturação e aceitação de costumes do oriente; comércio fabuloso, interesses maciços etc., a par de horripilante imoralidade. Acresce que ainda no tempo de Inocêncio III se dirigem contra as províncias do ocidente (AIbingenses) e contra imperadores e príncipes cristãos. Já em 1199 o Papa Inocêncio III mandou pregar a Cruzada contra Markward de Anweiler que não endossara a política do Papa a respeito da Sicília. Não há dúvida de que o movimento das Cruzadas haveria de transformar profundamente a fisionomia da Cúria e da Cristandade ocidental. Se um Gregório VII procurou concentrar o poder para, através dele, concretizar propósitos eminentemente religiosos, agora a centralização do poder nas mãos do Papado orienta-se de um modo estável e manifesto para o campo da diplomacia, da política, das guerras e alianças militares, e não em último lugar e maciçamente para as finanças. Em vão um São Bernardo de Claraval, no célebre livro De Consideratione, dedicado ao Papa Eugênio III, no ano 1149, levantou a sua voz e advertiu contra os eminentes perigos. O centralismo do poder papal desloca-se. O poder da Cúria sobre a Cristandade ocidental será de natureza eminentemente fiscal. Os sempre novos impostos de Cruzadas acumulam dinheiro. As Cruzadas e guerras contra os turcos se realizam nas calendas gregas. As estruturas e “Decretais” da Cúria medieval implacavelmente obedecem a sua lógica interior. Benefícios eclesiásticos, bispados e abadias serão concedidos segundo critérios político-financeiros. É significativo que no próprio século de São Francisco e Inocêncio III um Rodolfo de Habsburgo não obteve a Coroação Imperial por não se ver em condições de atender as exorbitantes exigências pecuniárias da Cúria Romana. Corre a Idade Média para o seu fim. Alienam-se de Roma países inteiros e o ponto final, a Reforma Protestante, será desencadeada em 1517 pelo binômio dinheiro e indulgência. Devem vir o Concilio de Trento (1546-1563) e os grandes papas que o seguem (Pio V, Gregório XIII e Sixto V) para que os objetivos verdadeiramente religiosos e espirituais estejam de novo e de um modo decisivo no coração do centralismo da Cúria Romana. Qual a disposição da alma de S. Francisco diante da evolução das coisas que a seu tempo se anunciava? Não lhe pretendemos atribuir a clarividência nem visão profética especial, mas tampouco poderemos supor que não tenha conhecido os homens e os perigos da corrupção do mais belo ideal que se possa conceber, nem que não tenha avaliado os nefastos frutos do poder do dinheiro que precisamente em conseqüência das Cruzadas fizeram surgir uma nova classe de ricos comerciantes com a sua rede por toda a Europa e que minaram o mundo feudal-latifundiário pela ascensão do poder do dinheiro. Bastava ver o rumo que as coisas tomaram na própria família de Francisco. Quantas envolvências com o mal. Ao bispo de Assis o «poverello» explica: “Senhor, se quiséssemos ter propriedade de alguma coisa, precisaríamos também de armas para defendê-las. Daí surgem, fatalmente, brigas e lutas que de muitas maneiras impedem o amor de Deus e do próximo. Por isso não queremos possuir, como próprio, nenhum bem deste mundo”. A maior fa-cilidade do amor desimpedido a Deus e ao próximo, eis os critérios que São Francisco aplica. Ser-lhe-ão dai ditadas também as relações para com as Cruzadas. Francisco na sua juventude certamente se empolgava pela idéia das Cruzadas tão conforme ao espírito seu cavalheresco, quando ainda vivia no mundo. Sua conversão e evolução não o fez duvidar da justeza e legitimidade em si. Se mais tarde, sob Honório III, prediz aos cruzados no Egito a derrota, mesmo que tomem Damieta, como aconteceu em 1219, foi porque estava horrorizado com as discórdias e a imoralidade dos mesmos. Aqui está a compreensão que Francisco tinha das Cruzadas como empreendimento de Deus. Francisco viu as Cruzadas no sentido em que foram anunciadas; possibilidade de reparação dos pecados, penitência, perdão e indulgência e, quem sabe, possibilidade de dar a vida por Cristo. Desde os tempos de São Bernardo atribuía-se o insucesso das Cruzadas ao castigo pelos vícios do povo cristão e dos cruzados em particular. Bulas pontifícias conclamavam por esse tempo o povo cristão ao jejum, penitência, oração, boas obras, pureza de costumes. Pregadores convidavam o povo neste sentido. O que a mão sangüinária dos poderosos não alcançava, isto obteriam as mãos inocentes. A trágica Cruzada das Crianças em 1212 foi desta mentalidade a equivocada expressão. Neste mesmo ano de 1212 Santa Clara ajudara a São Francisco por orações e conselhos a optar pela vida ativa. Por mais que a incipiente família franciscana necessitasse da presença do Pai, Francisco, ainda no mesmo ano, procura embarcar para a Síria. Jerusalém, desde 1187, estava nas mãos do sultão do Egito. Só a faixa ao longo do Mediterrâneo, de Joppe a Tiro, estava nas mãos dos cristãos. Francisco se vê forçado a desistir do seu intento inspirado pelo desejo da penitência. Devido à estação adiantada, as barcas venetas não iam para além da Dalmácia. Dois anos mais tarde encontramos São Francisco na Espanha com o desejo de chegar a Marrocos, para aí pregar ao Sultão Mohamed ben Naser (Miramolino). Visita São Tiago de Compostela. Doença o obriga a voltar e São Francisco é restituído aos seus. Deus o confortou com a certeza de ter obtido o perdão. Para a Ordem permaneceu a idéia da Cruzada. No Capítulo de Pentecostes de 1217 São Francisco envia irmãos para o exterior e com fortes contingentes de cruzados da Áustria e da Hungria, do Reno e da Frísia embarcaram para o oriente frei Elias de Cortona, frei Egídio e outros irmãos. Fixaram-se em Accon. Certamente a necessidade espiritual desses cruzados ditara tal presença. Dois anos depois, no Capítulo de 1219, Bernardo e seus companheiros partem para Marrocos, onde, pelo seu sangue, consagram as primícias da Ordem. Francisco mesmo parte para o Oriente, acompanhado por alguns frades, entre os quais Pedro de Catânia. Não permaneceu muito tempo com os irmãos em Accon; embarcou com os cruzados para o Egito, onde João de Briena desde maio de 1218, cercava Damieta. É aqui que Francisco prega, prediz a derrota dos cruzados dissolutos, e quando tomam estes a fortaleza, chave para a conquista do Egito, o Legado Pontifício, o Cardeal Pelágio, e João de Briena. (com o título de Rei de Jerusalém) são talvez os que enviam Francisco ao Sultão Málik el Kamil. Sabe-se que a queda de Damieta moveu o Sultão a encetar negociações de paz. Estava disposto a devolver o Reino de Jerusalém aos cruzados, desde que lhe devolvessem a praça de Damieta. Pelágio recusou, os cruzados seguiram adiante até que os egípcios abriram os diques do Nilo e os cruzados fugiram, com perdas enormes, de todo o Egito. Faltam-nos elementos para precisar melhor a parte de São Francisco na Legação. Sua atuação foi envolta em lendas. Certo é que manteve colóquio com o Sultão e lhe conquistou a simpatia, recusou os presentes em virtude da santa pobreza e, ao testemunho de fé e entusiasmo pelo nome cristão, recebeu do Sultão a resposta: «Ora por mim, para que Deus se digne mostrar-me a lei e a fé que mais lhe agradem». O Cardeal Jacó de Vitry, a partir de 1216 bispo de Accon, e admirador de São Francisco, nô-la conservou. Francisco voltou em breve para Aceon e, acompanhado por frei Elias, tomou rumo da Itália, sem ter visto, ao que parece, Jerusalém. Quanto às Cruzadas, devia estar desiludido. O nobre coração do Sultão o deve ter tocado profundamente. Foi um grande momento histórico o deste encontro, momentos raramente concedidos. Um e outro saíram ricamente presenteados. As Cruzadas, que no século XIII mais e mais se tornaram empreendimentos do poder, das armas, da diplomacia, e que não obtiveram, nem a conversão do velho Adão, muito menos a de infiéis no Oriente, já não moverão o Pobre de Assis. O «sair do mundo» o faz superar de um modo simples, sincero e natural o militarismo, o autoritarismo, o capitalismo. Não discute, não polemiza, mas vive o seu ideal; vive dentro da Igreja o seu próprio caminho que não entende ser de todos. Francisco passará agora a dar o testemunho de presença como descreve o Capítulo 16 da Regra de 1221: Quaisquer dos irmãos que, por inspiração divina, querem ir entre os infiéis, poderão fazê-lo com a licença do seu Ministro e servo. E o Ministro lhes conceda esta permissão e não a recuse se os vir idôneos para serem mandados. Os irmãos, que partem, de dois modos podem espiritualmente proceder com os infiéis: o primeiro modo é que se abstenham de rixas e disputas e se submetam a toda autoridade humana por causa do Senhor (IPdr 2,13) confessando serem cristãos. O outro modo é que, quando o julgarem agradável ao Senhor, anunciem a Palavra de Deus, a fim de que os ouvintes creiam no Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo, Criador de todas as coisas, no Filho Redentor e Salvador, para serem batizados e se tornarem cristãos, porquanto quem não renascer por meio da água e do Espírito Santo não pode entrar no Reino de Deus. O espírito de acatamento às autoridades eclesiásticas, sua humildade e pequenez não fazem Francisco repelir as Cruzadas em si; aceita a possibilidade de uma guerra justa. A Igreja declara justas as Cruzadas. Expedições militares levam a matar; que seja: pode-se matar por justa causa, mas não é lícito deixar de amar, mesmo ao inimigo. Francisco escolhe para si dar testemunho de amar. Franco Cardini, no artigo «Nella Presenza del Soldan Superba» (publicado na revista Studi Franciscani, 1974, n. 1-4, p. 199-250), a quem devo muitos esclarecimentos nesta matéria, recorda a antiga interpretação de Jerusalém tomada em quatro sentidos: Jerusalém Exterior é a Jerusalém, cidade humilhada então nas mãos dos infiéis. A Jerusalém Interior é a alma do justo; a Jerusalém Inferior é a Igreja Militante; e a Jerusalém Superior, a Igreja Triunfante na Glória. Por amor a esta última, Francisco, voltando do Egito, dá-se de corpo e alma, a servir na Jerusalém Inferior, à Jerusalém Interior, e, quando cego e doente, já não percorre a Itália, dirige cartas a todos os fiéis e aos governadores dos povos. Jerusalém se encontra dentro de nós, na alma que tem Deus por herança. A Terra Santa se configura em torno de nós, em qualquer parte. Fonte Colombo, onde se redige a Regra final, será para o movimento seráfico o monte das Bem-aventuranças; Greccio, com o presépio, será a nova Belém; o Monte Alverne, um novo Calvário. Assis dá o perdão e a indulgência na Igrejinha da Porciúncula; e o Ressuscitado é adorado em cada Igreja, por mais abandonada que seja. Eis como a experiência de São Francisco leva a superar Cruzadas e Peregrinações à Terra Santa. Onde Cristo é aceito, amado e seguido, lá florescem Terras Santas. São Francisco e as estruturas! Como os séculos das Cruzadas as tinham criado e quanto tinham mudado a fisionomia do Ocidente! O Pobre de Assis não julga o que a Igreja tinha julgado. Muito menos despreza ou derruba. Ele aceita sinceramente, mas supera. Lançando sobre os dados a luz do Evan-gelho, põe um sinal, é o amor que liberta e determina um novo relacionamento.

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